sexta-feira, maio 09, 2008

As pastagens e as forragens em Timor Leste



AS PASTAGENS E AS FORRAGENS EM TIMOR-LESTE

XXV Reunião de Primavera da Sociedade Portuguesa de Pastagens e Forragens, Viseu, 12-14/5/2004

Augusto Joaquim de Carvalho Lança e António Manuel Rocha Parreira
Escola Superior Agrária de Beja
Rua Pedro Soares – 7800 -902 Beja


RESUMO

Este trabalho teve como objectivo identificar e caracterizar plantas forrageiras usadas na alimentação animal em Timor-Leste, com especial destaque para as leguminosas arbóreo-arbustivas: Leucena leucocephala, Gliricidia sepium, Sesbania grandiflora, Calliandra calothirsus, Moringa oleifera, Tamarindus indica e Paraserianthes falcataria. Deu-se especial destaque à utilização destas plantas em sistemas agroflorestais que melhorem a alimentação dos ruminanates durante a estação seca, promovam a recuperação dos solos e contribuam para a segurança alimentar das populações.

PALAVRAS-CHAVE: Timor-Leste, erosão, sistemas agroflorestais, ruminantes, Calliandra calothirsus , Gliricidia sepium, Leucena leucocephala, , Moringa oleifera, , Paraserianthes falcataria, Sesbania grandiflora, , Tamarindus indica.


ABSTRACT

The aim of this work was to identify and characterize fodder plants available in Timor-Lester, particularly those from the leguminous trees group: Leucena leucocephala, Gliricidia sepium, Sesbania grandiflora, Calliandra calothirsus, Moringa oleifera, Tamarindus indica e Paraserianthes falcataria. It was analyzed its importance in agroforestry systems which promote ruminant nutrition during dry season, detain soil erosion and improve people’s food security.

KEYWORDS: Timor-Lester, erosion, agroforestry systems, ruminants, Calliandra calothirsus , Gliricidia sepium, Leucena leucocephala, , Moringa oleifera, , Paraserianthes falcataria, Sesbania grandiflora, , Tamarindus indica.


1.Introdução

Timor-Leste, situa-se na zona intertropical e a esmagadora maioria da sua população depende economicamente do sector agro-pecuário. Pratica-se uma agricultura de subsistência e o café, produzido de modo quase espontâneo, é a principal produção para exportação.
Compreende-se, assim, que o primeiro governo deste país lusófono assumiu o desenvolvimento agrícola como a pedra basilar do seu crescimento económico. Contudo, e tal como na maior parte dos países em vias de desenvolvimento, o território de Timor-Leste tem que enfrentar condicionantes da exploração agrícola que limitam este sector. Tal é o caso de um meio ambiente adverso à agro-pecuária e factores de ordem política e social que impediram o desenvolvimento deste sector. Nestes últimos inclui-se um passado colonial em que prevaleceu o abandono, com uma metrópole situada a 14.000 Km , sempre carente de meios humanos e materiais (Gomes, 1950). Mais recentemente, a colonização javanesa primou pela brutalidade da actuação, levando a cabo uma política de genocídio sistemático . No sector agrícola, uma imagem eloquente deste passado recente, encontramo-lo na destruição sumária do gado, principalmente no pós-invasão (anos 70 e 80) e no período que se seguiu ao referendo libertador de 1999. Presentemente, o novo país necessita da colaboração internacional, tanto em meios técnicos como materiais, para recuperar o sector agrícola e garantir assim, não só a erradicação da fome e da subnutrição, como também a independência económica.
O presente texto resultou da nossa presença naquele território durante quase 3 meses, na docência da cadeira de Zootecnia na Universidade Nacional de Timor-Leste, e das deslocações feitas um pouco por todo o território. Muitas delas foram conduzidas pelos Engº. Pedro Passos e Nuno Moreira, técnicos da Missão Agrícola Portuguesa em Timor, a quem manifestamos os nossos agradecimentos e admiração pelo trabalho desenvolvido.

2. O meio ambiente

O território leste-timorense é dominado por uma cordilheira montanhosa central em todo o seu comprimento , subindo até aos 2960 m do Monte Ramelau , circundada por pequenas planícies costeiras e de cotas muito baixas. Estas predominam na costa Sul avançando aqui para o interior algumas dezenas de quilómetros. É a zona de melhores solos, com terrenos do tipo aluvionar e que contrastam com os restantes solos do interior, muito frágeis e muitas vezes esqueléticos. Na costa Norte as planícies costeiras são raras e de dimensões pouco significativas. A ilha de Timor tem pois um relevo predominantemente montanhoso, com enrugamentos recentes e de origem tectónica, provocados pelo choque da placa australiana com a euroasiática.
O clima tropical que predomina é do tipo Aw (classificação de Koopen, figura 1): tropical de savana, com uma estação de chuvas de monção e outra estação seca. Regista-se ainda clima Am (de monção) e Cw (tropical de altitude ou temperado de Inverno seco) nas zonas mais altas do país, e Bs (árido) em faixas estreitas da costa norte.
O relevo vigoroso da ilha, altera os valores das temperaturas e sobretudo da pluviosidade, pelo que a maior parte dos autores prefere antes a classificação de Schmidt e Ferguson – razão entre o número de meses secos (P<60mm) e húmidos (P>100 mmm) - para uma melhor caracterização do território :
-Climas do tipo C e D da Zona Sul e ponta Leste: é a região mais húmida e mais favorável à agro-pecuária, com chuvas superiores a 1500 mm, temperaturas variando entre 19 e 21 º C e 4 a 5 meses de estação seca;.
- Clima do tipo E do interior norte: já se considera um clima seco, com apenas 5 meses húmidos e temperaturas entre 23 e 26 ºC.
- Climas do tipo F e G do litoral norte: já têm 8 meses a 10 meses de estação seca, respectivamente, e temperaturas médias elevadas situadas entre 27 e 28 ºC. Clima muito adverso à agricultura de sequeiro, mas que é limitado, porém, a uma faixa estreita do litoral norte.
Comparativamente às zonas temperadas, as regiões de clima tropical apresentam geralmente condições menos favoráveis para a agricultura e criação de gado . Os valores mais elevados das temperaturas e das precipitações degradam rapidamente a matéria orgânica e facilitam a erosão do solo. Os acidentes climáticos são aqui mais frequentes, com o seu cortejo de cheias, secas e outras catástrofes naturais (Ruthenberg, 1971). Tudo isto se agrava nas zonas mais acidentadas, como aquela que aqui analisamos, onde a acção dos elementos se conjuga com a acção do homem na destruição do solo das encostas. Gonçalves e Min (1963) estimam que mais de 43% da área de Timor-Leste tenha declives superiores a 20%, limitando-se as zonas planálticas e aluviões interiores e litorais a ocupar apenas 12% da área total.
Desarborizadas pelos machados dos agricultores itinerantes indígenas ou dos exploradores de sândalo (Santalum album) portugueses – estamos no centro de origem desta madeira preciosa – os solos de Timor foram sendo lentamente destruídos ao longo dos últimos séculos. As densas matas originais de sândalo deram lugar a encostas e cabeços pelados, onde o gado agora pasta uma magra erva, por entre ravinas escavadas pelas águas torrenciais. As campanhas promotoras da cafeeicultura dos governadores dos séculos XIX e XX, agravaram ainda mais esta situação em muitos pontos do território, como é o caso das serras de Ossu e Mundo Perdido. Aqui as etapas erosivas sucedem-se inexoravelmente: redução dos colóides orgânicos e minerais, degradação da estrutura, e finalmente o arrastamento do solo mesmo em declives pouco pronunciados, substituindo-se na paisagem o verde exuberante da vegetação pela aridez acompanhada de ravinas (Gonçalves e Min, 1963). Este último aspecto é particularmente impressionante nas encostas que rodeiam Maubisse. Nestas zonas em que florestas primárias ou secundárias são inexistentes devido à acção humana, instala-se uma magra vegetação de savana com predomínio de gramíneas de muito baixo valor alimentar.

Os solos predominantes em Timor-Leste reflectem assim o relevo e a acção humana.. Gonçalves e Min (1963) propõem a seguinte classificação:

- Solos Calcareos Acinzentados (do complexo argiloso) ocupando larga área, de textura muito argilosa. Erosionam facilmente em ravinas, e estando sujeitos a escorregamentos, são designados localmente quando tais características são mais acentuadas por "terras podres";
-Solos Calcareos Cinzentos (de Calcareos pseudoolíticos) : muito delgados; já bastante
erosionados e ocupando relevo bastante dobrado;
-Solos Pardos de Materiais não Calcareos (de grés micáceo); pouco espessos e com
deficiente drenagem interna parecem ter nítida susceptibilidade à erosão;
-Solos Pardos de Materiais não Calcareos ,de xistos argiloso associados a grés micáceo,
de textura acentuadamente argilosa e com sintomas de deficiente drenagem interna;
- Solos derivados de xistos metamórficos ocupando larga área junto de Dili, que pela possível impermeabilidade das camadas inferiores e relevo muito acentuado, são grandemente susceptíveis à erosão.

No que respeita à pecuária, o clima tropical favorece a lenhificação das pastagens e estas dependem da estação das chuvas para se desenvolverem. Por outro lado, a rápida acumulação de lenhina nas células vegetais imobiliza proteína e minerais, originando uma dieta pobre em energia, azoto fermentescível e minerais (Preston e Leng, 1987).
As gramíneas tropicais, são predominantemente do tipo C4, o que significa que produzem mais biomassa por unidade de nutrientes absorvidos. Porém esta biomassa possui menor concentração em nutrientes e digestibilidade do que as gramíneas temperadas C3 e são mais ricas em fibras. Consequentemente, as gramíneas que predominam nas pastagens das zonas tropicais dificilmente chegam para, só por si, suprir as necessidades de manutenção dos animais. Este problema é agravado pela dificuldade com que as leguminosas das pastagens tropicais competem com as gramíneas pela luz e nutrientes, resultando num rápido abafamento daquelas e num abaixamento do valor nutritivo dos pastos (Bayer e Waters-Bayer, 1998).
O aspecto sazonal da produção de biomassa das pastagens tropicais é igualmente determinante nestes sistemas de produção animal em clima de savana (Aw) ou monção (Am) . Quando maior for o número de meses secos pior é a situação. No caso de Timor, a melhor zona de ervagens situa-se na costa Sul e ponta Leste, onde o número de meses secos é menor, mercê da ocorrência de duas estações de monções. Nestas regiões planas, das poucas que se registam no país, o solo permanece sempre húmido e ocorre frequentemente o pastoreio no sob-coberto de coqueiral. Nas restantes regiões, os animais são levados a pastorear nas encostas, não fazendo mais do que agravar a erosão dos terrenos.
A expansão da pecuária é refém da longa estação seca. A pior situação verifica-se no final da estação seca, em que animais e pessoas sofrem muito frequentemente, demasiado frequentemente, de carência generalizada de alimentos.

3. Os animais de Timor-Leste

Para fazer face a este meio hostil o agricultor timorense dispõe todavia de efectivos animais de grande rusticidade, bem adaptados ao clima, ao relevo acidentado e aos alimentos grosseiros. Destacam-se pela sua omnipresença, os pequenos bovinos balineses (Bos javanicus), explorados em toda a Indonésia e também na ilha de Timor, com a principal função de produção de carne. São animais bastantes rústicos, encontrando-se no estado selvagem, em algumas ilhas do vasto arquipélago indonésio. Em Timor são frequentes nos restolhos do arroz ou nas pequenas hortas, presos a uma corda. Já foram exportados em grande quantidade para a Austrália durante o período português do último século, tendo o seu número sido bastante reduzido com a invasão indonésia.
O búfalo dos pântanos (Bubalus carabanensis) está ligado à cultura do arroz e encontra-se em maior quantidade na costa sul. É um animal bastante rústico, de porte inferior ao do búfalo dos rios (Bubalus bubalus), bastante utilizado nos trabalhos de preparação dos canteiros de arroz mediante a lavoura por pisoteio. O timorense denomina bovinos e bubalinos de modo semelhante: o búfalo (carau) , e os bovinos ( carau-vaca).
Regista-se igualmente a omnipresença dos caprinos (bibi), de modo particular no interior acidentado do território, consumindo os resíduos das culturas das hortas e a vegetação espontânea. O seu livre pastoreio conduz, todavia, a graves problemas de destruição do coberto arbóreo e arbustivo, que tenta vingar nas encostas erodidas. Constitui por isso, presentemente, sério obstáculo a todos os empreendimentos de reflorestação, devendo neste caso serem realizados esforços para que a sua criação passe a ser realizada em confinamento.
Nas zonas mais secas da costa norte (zonas de clima B, fig. 1) encontram-se numerosos rebanhos de ovelhas (bibi-malai, literalmente, “cabra estrangeira” na língua tétum). Está particularmente adaptada a este meio muito seco da costa norte, pastoreando a vegetação espontânea das zonas litorais e dos restolhos de arroz. A sua criação destina-se à obtenção de crias para venda.
De registar ainda o pequeno cavalo timorense (cuda), o Equs cabbalus asiaticus (Castro, 1996), um útil animal de transporte de cargas e pessoas, por todo o interior acidentado do território; os galináceos timorenses (manu), também criados para alimentar o desporto nacional, a luta de galos; o porco asiático (fahi), criado em regime livre, voraz consumidor de todo o género de resíduos e verdadeiro flagelo das zonas urbanas.

4. Entraves à produção animal de ordem sócio-económica e cultural

Como já foi referido, a maior parte do território, tem vocação claramente florestal. Gomes (1950) diz claramente que “Timor é um problema florestal”. Esta característica de Timor-Leste poderá ser, em parte, responsável pelo estado de subnutrição em que vive a maioria da população timorense. A conjugação de solos esqueléticos, um relevo jovem e por isso muito acidentado, e uma estação seca mais ou menos prolongada conjungam-se para tornar insuficiente a produção agrícola das várzeas das ribeiras e das planícies litorais e dificultar consideravelmente uma intensificação da produção animal..
Espanta por vezes o visitante que, dispondo de considerável biodiversidade pecuária, tenha o timorense uma dieta com tanta escassez de proteínas. Julgamos que este deficit está ligado às dificuldades enfrentadas pelos agricultores na criação de gado e que anteriormente se referiram. Dificuldades que têm, assim, expressão na cultura e nas tradições, numa zona, que, é bom não esquecer, também recebeu importante contribuição das civilizações asiáticas do arroz.
A carne é sobretudo consumida por altura das festas, sendo os ruminantes, principalmente o carau, componente tradicional do barlaque, ou dote pago à família da noiva. Como um pouco por todo o mundo tropical, o gado representa igualmente uma forma de acumulação do capital, por ausência de uma economia de mercado suficientemente desenvolvida, e tem um papel de conferir estatuto social ao proprietário.
O consumo de leite, e seus derivados, não é prática comum, mesmo o da espécie caprina. A subnutrição infantil, até em zonas de abundância de fêmeas ruminantes é, por isso, muito vulgar, situação que poderia ser resolvida através de campanhas de informação e sensibilização das populações. A divulgação de processos caseiros de transformação de leite de cabra , ovelha e búfala, em queijo, manteiga e outros produtos, afigura-se de grande importância, e está já a ser levada a cabo por instiuições de promoção social.
As epizootias, por sua vez, retiram parte importante dos animais a este sistema produtivo já de si débil, e onde as campanhas de prevenção e vacinação se deparam com falta de verbas necessárias à sua prossecução. Foi assim que tivemos oportunidade de presenciar a epidemia de Doença de New-Castle que em Maio de 2003, infligiu muitas baixas ao efectivo avícola da região de Díli. Facto de sobremaneira grave se tivermos em conta que os ovos constituem uma das principais fontes de proteína animal da população.
A fértil e plana costa Sul encontra ainda o seu desenvolvimento agrícola bloqueado, pelos difíceis acessos às regiões mais povoadas da costa Norte e ao porto de Díli. De resto, a manutenção das principais vias em condições de transitabilidade afigura-se em Timor tarefa díficil, pois o relevo vigoroso favorece as avalanches e as enxorradas na estação húmida, com destruição de estradas e pontes. A este fenómeno também não deverão ser alheias as práticas agrícolas que não favorecem a infiltração das águas nas encostas e planaltos das terras altas do interior.

5. Recursos pratenses e forrageiros
No contexto actual de desenvolvimento da jovem nação, e quando a população dá sinais de crescimento, governo, particulares e organizações, dão passos no sentido do desenvolvimento agro-pecuário e florestal acelerados. Simultaneamente atravessa-se uma fase de recuperação do tecido económico, na sequência da devastação generalizada do pós-referendo de 1999.
Como linhas directoras deste processo, encontra-se a melhoria da produtividade das culturas de subsistência, principalmente o milho e o arroz, a florestação das principais bacias hidrográficas com espécies autóctones de grande procura internacional como o sândalo, teca e o pau-rosa. Na vertente pecuária assiste-se a um esforço de melhorar o estado sanitário dos efectivos e a sua alimentação, bem como de criar infra-estruturas de abate e distribuição. No sector do café, o país dá prioridade ao nicho do café biológico, como estratégia para aumentar os rendimentos provenientes desta cultura, numa fase em que os preços mundiais desta matéria-prima sofrem forte declínio.
Os sistemas de agricultura de Timor são predominantemente constituidos pelas hortas circundando as habitações, culturas de agricultura itinerante, em regime de abate e queimada, a agricultura de pequena plantação com cafezeiros, a orizicultura em canteiros e a criação de ruminantes no sob-coberto de coqueiros. Enquanto a agricultura itinerante é o sistema de aproveitamento do solo mais difundido, a produção de café limita-se às zonas montanhosas da região oeste. A produção de arroz em canteiros concentra-se nas várzeas interiores e litorais, aparecendo por vezes sob a bela forma de socalcos (região de Ossu). As plantações de coqueiros podem ser encontradas por todo o território, mas predominam nos terrenos planos da costa Sul.
Integrando-se em menor ou maior grau nestes sistemas, a pecuária assenta na exploração das pastagens naturais, nos arbustos, como os bambus, e folhas e frutos de árvores, bem como no aproveitamento dos resíduos das hortas, das culturas arvenses e das árvores de fruto. Em Timor são particularmente as folhas da fruta-pão (Artoccarpus altilis e A. communis), da bananeira e da papaieira, as mais usadas na alimentação animal. Também o consumo das herbáceas do sob-coberto das plantações de café e coqueiros, entre outras, constitui importante fonte alimentar para o gado. A instalação de pastagens artificiais ainda tem uma expressão muito reduzida. Todavia, o incremento desta actividade pode constituir uma importante oportunidade para substituir as queimadas como fonte de elementos fertilizantes para as culturas, fomentar a fixação de azoto no solo, impedir a erosão, incrementar a produção de carne e leite e melhorar as condições de vida das populações, através de uma melhor nutrição, sobretudo das suas camadas mais jovens. Permitiria ainda recuperar a actividade de exportação de gado, em que Timor já ocupou lugar de destaque naquela zona da Ásia (Gomes, 1950) , promovendo a entrada de divisas no país.

5.1 As pastagens herbáceas
Nos terrenos descobertos pelo corte da floresta e pelas queimadas dos agricultores itinerantes, a um ano ou dois de culturas, segue-se um pousio herbáceo com forte predominância das gramíneas. Nas zonas mais elevadas e chuvosas, o pastoreio contínuo e o fogo, impediu a reconstituição da mata e o uso agrícola do solo, passando este a ser coberto por pastagem natural permanente. Muitas das gramíneas destas pastagens têm bom valor alimentar, como assinalaram Gomes (1950 ) e Soares (1962 ). Destacam-se de entre elas: Brachyaria spp, Chloris gayana Kunth, Cynodon dactylon L., Digitaria sanguinalis L., Echinocloa colonum L., Eleusine indica Gearten, Panicum repens L., Paspalum spp, Setaria glauca L..
Verdadeiro flagelo nestas pastagens espontâneas, as gramíneas Imperata cylindrica e Sacharum espontaneum, com o seu comportamento invasivo, diminuem bastante o valor alimentar destes prados. Imperata cylindrica é de resto, referida para toda a zona tropical, como uma das infestantes das culturas de combate mais problemático (Ruthenberg, 1971). Na costa Sul também populações invasivas do género Lantana camara, de muito díficil combate, comprometem a utilização das gramíneas naturais sobre solos de grande potencial. Nesta região plana, são frequentes as plantações de coqueiros associadas a pastagens com predomínio de Digitaria spp., consumida por bovinos e búfalos. Trata-se de um sistema bastante sustentável e que tem assumido grande sucesso na zona tropical das Américas e da Ásia.
No restante território, a implantação de pastagens herbáceas deve ser encarada com bastante precaução, dado o acidentado do terreno e o perigo de erosão associado. Constituem aqui zonas favoráveis, embora de expressão reduzida, os terrenos planos do fundo dos vales e os planaltos, bem como os solos armados em terraços ou socalcos.

5.2 As forragens arbóreas.
À excepção das zonas mais frias dos cumes montanhosos (clima Cw) abundam em Timor-Leste árvores forrageiras de grande interesse pecuário. Destacam-se as espécies:
Leucena leucocephala, Gliricidia sepium, Sesbania grandiflora, Calliandra calothirsus , Moringa oleifera e Tamarindus indica. Segundo alguns autores (Ibrahim et al., 1988), também a Paraserianthes falcataria , a principal sombreadora do café ou madre de cacau em Timor, produz forragem de razoável valor alimentar.
Vários trabalhos destacam particularmente as primeiras três destas espécies como fornecedoras de proteína e fibra altamente digestíveis, proteína by pass, glúcidos solúveis e sais minerais, tornando-as o suplemento alimentar mais conveniente para a estação seca, quando o alimento de base é altamente fibroso, particularmente gramíneas secas e palhas de arroz ou milho. A vantagem de usar mesmo que pequenas quantidades da folhagem daquelas árvores leguminosas na suplementação do gado reside na sua riqueza em proteína (25 a 30% da matéria seca), parte da qual escapa à degradação ruminal. De acordo com Bamualin et al (1984) cit. por Preston e Leng ( 1987) a farinha de folhas de leucena deu resultados equivalentes aos de uma infusão abomasal de caseína, na estimulação da ingestão voluntária de feno de baixa qualidade, em bovinos.
A concentração em energia metabolizável das folhas destas espécies arbóreas é da ordem de 7,52 MJ/Kg MS (Bayer e Waters-Bayers, 1998).
O cultivo destas espécies sob a forma de banco de proteína permite alimentar o gado, controlar a erosão, enriquecer o solo em azoto e produzir mais estrume para as hortas ((Pell, 1999), aumentando assim a produtividade global do sistema. Para atingir este objectivo é importante recorrer ao mulching com os ramos destas espécies e incorporar no solo a urina e os dejectos do gado (Pimentel e Wightman, 1999).
Nos anos mais secos, o final da estação seca e o príncípio da estação húmida (Novembro- Janeiro) tornam mesmo imprescíndível o recurso a estas pastagens aéreas, como alimento de emergência, à semelhança do que ocorre com os arvoredos das zonas mediterrânicas durante os períodos de seca que igualmente caracterizam este clima.
É frequente nestas alturas de grande carência alimentar nos animais e também nas pessoas, observar-se por todo o território, mulheres e crianças colhendo ramagens para alimentar o gado.

Leucaena leucocephala
A leucena, denominada em língua tétum ai-café, é das árvores forrageiras mais utilizadas em Timor-Leste, onde se encontra em povoamentos espontâneos ou como espécie cultivada, mesmo nas encostas mais inférteis e inclinadas. As suas vagens servem também de alimento às pessoas, depois de torradas. Aproveita-se a sua lenha e nos cafezais tem o papel de árvore sombreadora. Tem um importante papel como planta recuperadora de solos e as suas flores são muito procuradas pelas abelhas (Dix et al., 1999). Pode crescer até aos 10 m, sendo mantida como arbusto, quando utilizada para fins forrageiros. A espécie é fixadora de azoto e possui raízes muito profundas, o que lhe permite sobreviver à estação seca. Adapta-se bem a solos pobres mas bem drenados e que recebam um mínimo de 750 mm anuais de chuva. A planta é originária da América Central e expandiu-se por toda a zona intertropical. Na Herdade da Mitra, em Évora, existem alguns exemplares adultos, mas que se despem de folhas durante o Inverno, quando sujeitas às geadas.
A leucena produz um aminoácido não proteico, a mimosina, que é degradado no rúmen em dihidroxipiridina (DHP), uma substância bociogénica. Em algumas regiões do Mundo esta substância não constitui obstáculo ao consumo da leucena, pois a flora ruminal contém a bactéria Synergistes jonesii, que metaboliza a DHP. Tal é o caso da Indonésia (Pereira et al., 2002) e, presumivelmente, Timor-Leste.
No Norte da Austrália, muito perto da ilha de Timor, O’Gara (1998) conseguiu ganhos médios diários em bovinos alimentados com leucena superiores a 1,0 Kg/dia e estimou uma digestibilidade da matéria seca de 75 % e um teor em proteína bruta de 20-25%, para as folhas desta leguminosa. Segundo Peackoc (1999) as folhas frescas possuem 30,7 % de matéria seca (MS) e 24,2 % de proteína bruta, enquanto nas vagens estes valores são de 91% e 35,8%, respectivamente. A concentração energética da planta integral ronda 2,13 Mcal/Kg MS (Pereira et al, 2002) sendo por isso semelhante à da cana de açúcar ou do milho em verde.
Podemos dizer que o principal problema que esta forrageira apresenta em Timor é a sua sensibilidade a determinadas pragas, nomeadamente psilideos (Heteropsylla cubana), que nos anos 80 dizimaram as leucenas da ilha, com grandes prejuízos para os criadores de gado (Bayer e Waters-Bayers, 1998).
O seu cultivo deve pois ser fomentado, mas em associação com outras forrageiras perenes ou herbáceas, idealmente num sistema de banco de proteína ou plantada nas hortas que envolvem as habitações. De acordo com Bayer e Waters-Bayers (1998) nas ilhas vizinhas de Timor, um agricultor engorda por ano dois a três bovinos balineses , a partir de 1 a 1,3 ha de leucenas densamente cultivadas e numa dieta consistindo quase inteiramente nesta forragem. Pimentel e Wightman (1999) preconizam o sistema intercultural leucena-palha de millho, salientando o importante contributo da primeira para a nutrição animal e para a produtividade do cereal.

Sesbania grandiflora
A sesbania ou ai-turis, é uma árvore leguminosa de crescimento rápido e bem adaptada às condições edafo-climáticas de Timor. É uma planta que se pode encontrar mesmo nos solos mais pobres, até aos 1000 m de altitude e com precipitações mínimas de 800 mm (Peacock, 1996). Atinge 8 a 10 m de altura e cultiva-se normalmente nas hortas dado o seu grande poder fixador de azoto e baixa densidade da copa. Surge também nas ruas e nos jardins das principais localidades de Timor-Leste. As suas grandes flores, vermelhas ou brancas, possuem grande valor ornamental.
Presume-se que seja autóctone do arquipélago indonésio, apesar de se distribuir presentemente por todas as regiões tropicais. Consomem-se sobretudo as suas grandes flores, brancas ou vermelhas, em variados pratos da cozinha timorense , assim como as suas vagens verdes e as folhas. Em Timor não é uma espécie vulgarmente destinada à alimentação animal, apesar do bom valor nutritivo da sua folhagem. Na Indonésia a sua utilização como forragem está bastante difundida, chegando a constituir 70% da dieta dos ruminantes durante a estação seca. Evans (1990) estimou em 25 a 30 % o teor em proteína bruta da folhagem e digestibilidade semelhante à da leucena.

Calliandra calothirsus
Podemos observar algumas plantações recentes de caliandra em Timor, destinadas à alimentação do gado. A espécie exige uma precipitação mínima de 1000 mm e desenvolve-se muito rapidamente.
É razoavelmente tolerante à secura suportando até 6 meses secos, resiste bem ao encharcamento do solo mas é sensível às baixas temperaturas, não subindo para lá dos 1900 metros (Peacock, 1996). Largamente utilizada na Indonésia e outras ilhas do Pacífico, para enriquecer o solo, alimentar o gado e produzir lenha, a caliandra cresce rapidamente, produzindo rebentos, folhas e flores com 20-25% de proteína bruta. A digestibilidade das folhas, rondando 30-60%, é inferior à da leucena em virtude do maior teor em taninos, sendo, em contrapartida, resistente às pragas que atacam aquela. Ao compasso de plantação de 2 x 0,5 m podem-se obter 3 a 8 t/ha de matéria seca anualmente (Powell, 1997).


Paraserianthes falcataria
Conhecida em Timor como ai-santuco esta leguminosa é autóctone do sudoeste asiático. P. falcataria ou Albizia falcataria é a madre de cacau de Timor-Leste, sendo pois como sombreadora dos cafezais que se expandiu por todas as plantações desta cultura. Encontra-se hoje em dia sujeita a grande mortalidade devido ao ataque pelo fungo Uromycladium tepperianum (Cristovão e Old, 2003). É uma espécie muito pouco usada na alimentação do gado em Timor, à excepção dos cavalos que são alimentados com as suas folhas e vagens.
Ibrahim et al (1988) em testes efectuados com borregos registaram, todavia, ganhos de peso de 57g/dia em animais suplementados com a folhagem de P.falcataria, superiores aos de outros suplementados com leucena (15g), caliandra (33g)e gliricidia (34g).
Raharjo e Cheeke (1985) estudaram a palatabilidade em coelhos, tendo determinado valores semelhantes aos da leucena. As suas folhas também são utilizadas na alimentação de ruminantes e das aves domésticas no sudeste asiático (Nguyen Ba Chat et al. ,1996). Estes dados indicam que poderá vir a ser incrementado o seu uso em Timor, na alimentação animal, tanto mais que se trata de uma espécie de muito rápido crescimento e recuperadora de solos. Plantada em ruas espaçadas de 4 m, produz 2-3 t/ ha/ano de folhas secas, muito usadas na Indonésia para a fertilização dos canteiros de arroz.

Tamarindus indica
O tamarindo ou ai-sucair é omnipresente em Timor Leste, à excepção das zonas acima dos 1500 m, desenvolvendo-se igualmente bem nas áreas semi-áridas da costa Norte. Na ponta Leste, como em Totuala, forma vastas manchas florestais naturais. É uma árvore leguminosa que não fixa azoto, de crescimento lento, mas de grande longevidade e muito rústica, pois vegeta bem numa vasta gama de solos. As suas vagens e sementes são ricas em lípidos, amido e proteínas e largamente utilizadas na alimentação humana nas zonas tropicais.
Em Timor a população usa as suas vagens sobretudo para a confecção de vários pratos e na medicina tradicional. Plantado no compasso de 15 x 15 m o tamarindo pode produzir até 35 t/ha de vagens. Devendra (1992) estimou o teor em matéria seca e PB das folhas em, respectivamente, 28% e 14% . A sua principal limitação como forragem é o lento crescimento e a demorada rebentação que exibe. Porém, as suas vagens e folhas secas podem ser consumidas no solo pelos animais, num aproveitamento do tipo silvopastoril.

Gliricidia sepium
Com origem na América Central, a gliricidia ou gamal é uma árvore pouco frequente em Timor, encontrando-se alguns exemplares nas praças e jardins, na zona envolvente do Cristo-Rei, em Díli, em Vate-voo na Quinta do Sr. Serra, ou na vacaria da NCBA, em Comoro. Na estação seca perde as folhas e a sua profusa floração rosada possui grande valor ornamental. Em todo o mundo tropical é uma das árvores mais utilizadas pelos agricultores, em virtude da sua grande rusticidade e variedade de utilizações. Fornece lenha, forragem e adubo verde. Planta-se como sebe viva e nos solos destruidos pela erosão, como espécie pioneira.
Nos cafezais é plantada como espécie sombreadora. Pode ser cultivada até aos 1200 m e com uma pluviosidade variando entre os 600 e 3500 mm, mesmo que a estação seca se prolongue por 9 meses. Tolera todos os solos excepto os muito ácidos, de pH inferior a 4,5. Regenera-se com facilidade após uma queimada e o seu nome em língua indonésia, gamal, significa literalmente “destruidora de Imperata” (MacDicken et al, 1997), o que atesta a facilidade com que faz o controlo biológico desta agressiva gramínea infestante.
A gliricidia é das árvores forrageiras que melhor responde ao corte dos seus ramos, produzindo abundante rebentação de bom valor alimentar. O seu teor em proteína bruta varia entre 15 e 30%, consoante se trate de raminhos e folhas jovens ou tecidos mais lenhificados e o teor em matéria seca ronda 25% (Devendra, 1992).

Apresenta contudo um valor energético e proteico inferior aos da leucena e os animais levam algum tempo a habituar-se ao seu consumo. A produção de biomassa pode ascender a 5 t MS/ha (Bayer e Waters-Bayers, 1998).

Moringa oleifera
Originária da India, M. oleifera ou marungi é outra leguminosa arbórea muito difundida em Timor- Leste. A população consome sobretudo as suas longas vagens ainda novas (até 45 cm), semelhantes ao feijão-verde, mas também as suas folhas e flores, geralmente em sopas. À semelhança da gliricidia é uma árvore multifunções de grande rusticidade, proporcionando forragem de grande qualidade para os animais, incluindo os suínos.
É ainda utilizada na medicina tradicional em todo o Sudeste asiático. As suas sementes contêm 40 % de óleo que é usado na confecção de alimentos, sabonetes, produtos cosméticos e na iluminação. A farinha das sementes possui propriedades purificantes da água. O bagaço obtido após a extracção do óleo constitui um bom suplemento proteico para os animais (Sutherland et al., 1994) . Nas zonas tropicais cultiva-se sobretudo nos solos frescos, especialmente nas hortas que circundam as habitações e como planta pioneira, nos solos degradados em fase de recuperação. Vai até aos 750 m de altitude e nas zonas com 750 a 2500 mm de precipitação anual, resiste bem a uma estação seca prolongada mas não suporta o encharcamento (Hensleigh & Holaway ,1992 cit. por Jensen ,1995).
6. Conclusão
Os solos, o relevo e a longa estação seca tornam Timor-Leste particularmente vocacionado para sistemas agroflorestais e silvopastoris. Urge sobretudo proceder à recuperação dos solos degradados pela desflorestação sistemática a que o território foi sujeito ao longo dos séculos, sendo condição indispensável terminar com o sistema de queimadas, que de ano para ano continua a destruir agroecossistemas já de sí muito frágeis. A fertilização dos solos efectuada pela cinza da queimada deverá dar lugar à matéria orgânica proveniente do cultivo de leguminosas e da criação de gado.
Neste contexto, o aumento do cultivo de pastagens e forragens nos terrenos planos, é um objectivo desejável, mas a área disponível para este fim é escassa e destina-se sobretudo aos cultivos de primeira necessidade. É possível, todavia, fora destas áreas incrementar a produção animal e a de elementos fertilizantes, através das culturas arbóreo-arbustivas forrageiras anteriormente referidas. A biodiversidade deste sistema agro-florestal pode ser ainda potenciada pela associação de árvores forrageiras à cultura do cafezeiro, como sombreadoras, ou ao cultivo de espécies florestais, como o sândalo , o mogno, o pau-rosa ou a teca.
Por outro lado, torna-se sustentável o incremento da produção de leite e carne, o que contribuirá para aliviar o problema da subnutrição crónica das populações e o da carências de alimentos que regularmente se faz sentir nas zonas rurais.
A criação de viveiros escolares e de viveiros comunitários, ao nível de cada suco ou aldeia, poderão ser estratégias a prosseguir.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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26 -WINROCK (1999). Forest, Farm and Community Tree Network . Winrock International, Arkansas, USA. (www.winrock.org).

3 comentários:

Anônimo disse...

Tenho acompanhado o seu trabalho através das chamadas de atenção no blog "Timor Lorosae Nação".

Renovo os meus parabéns pelo seu trabalho gigantesco em prol da caracterização e estudo da atividade agro-pecuária de Timor-Leste. Acho que esse trabalho é essencial para que TL venha a ser um país melhor no futuro.

Espero que os seus alunos possam aprender a conhecer melhor o seu país, para assim se tornarem agentes dessa autêntica revolução que é necessário fazer para tornar Timor mais verdejante, mais produtivo, mais auto-suficiente e mais equilibrado.

Anônimo disse...

o que eu estava procurando, obrigado

Anônimo disse...

Good day!

It is my first time here. I just wanted to say hi!